A situação do Brasil após a democratização e os 12 anos de governo PT

A análise da realidade atual do Brasil considera que permanecem as condições básicas da situação da população que foram implantadas desde o descobrimento, em 1500, com avanços limitados e sem maior consistência. O domínio das elites vinculadas inicialmente à casa real portuguesa permanece.
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As classes trabalhadoras passaram da escravidão para a subordinação e a exploração legalizada, tendo ganhos salariais, mas vivendo na instabilidade tanto em relação ao emprego como em relação à sua inserção na vida nacional. Mesmo com a democratização na década de 80 e os governos recentes, os trabalhadores e as camadas populares do Brasil pouco avançaram em relação ao efetivo exercício do poder e da cidadania. As diversas tentativas realizadas por governos e sociedade não conseguiram instaurar processos efetivos de transformação social.

 

  1. O acesso a renda e superação da desigualdade

A concentração de renda e a desigualdade estão profundamente presentes no Brasil.

Os mais ricos continuaram sendo altamente incentivados e houve um achatamento da classe média, com a eventual distribuição social de recursos obtidos por um sistema tributário injusto. Enquanto a classe rica quase não é apanhada pela tributação, a classe média para baixo paga a maior parte da conta, de em torno de 37% do PIB, em tributos. Sendo que uma pequena parte é distribuída para a camada mais pobre, num jogo insustentável em que o Governo dá com uma mão e retira com a outra. Os mais pobres contribuem proporcionalmente muito mais que os ricos, aprofundando a desigualdade de renda e de riqueza e as possibilidades de sua afirmação igualitária.

Percorre o País a versão de que houve a retirada da miséria de  14,9 milhões de pessoas (com renda mensal de até R$ 70,00) para 6,5 milhões de 2002 a 2012. Entretanto, se fosse considerada a renda média mensal corrigida com a inflação (supondo-se a possibilidade de uma pessoa viver em condições adequadas com apenas R$ 80,00 ao mês = 25 euros), calcula-se que seriam em torno de 22 milhões de pessoas ainda na linha da miséria. Por isso que, tendo sido o IDH brasileiro de 2012 calculado em 0,742, se for considerada a desigualdade existente, o IDH cairia para 0,542, decorrente de perdas no índice de expectativa de vida (73 anos), no índice de educação (jovens e idosos analfabetos ou sem completarem o 2º grau), no índice de acesso a renda (desigualdade entre os mais ricos e os pobres) e aos resultados da atividade laboral (ainda muito baixos para as necessidades mínimas).

Há de se reconhecer que os Governos do PT responderam às dificuldades existentes com iniciativa

s como a da valorização do salário mínimo (que, no entanto, vem sendo rapidamente corroído pela precariedade dos serviços essenciais, especialmente a saúde, o transporte, a moradia e a educação), programas específicos de investimento e custeio, compras públicas, incentivos tributários e fiscais para pequenas empresas e o Micro Empreendedor Individual e a Bolsa Família. Em relação ao Bolsa Família, essencial para a atual realidade brasileira, trata-se principalmente de um programa de consumo, de curto prazo, e que não evoluiu para terra, oportunidades e geração de renda. E, por isso, não consegue ser um instrumento efetivo para um processo de transformação social permanente. Essas várias iniciativas importantes não foram acompanhadas pela promoção da organização produtiva popular autônoma somada a uma assistência técnica adequada e acesso facilitado. Ao contrário, o incentivo vê o pequeno produtor ou como subordinado, incapaz, dependente ou como “integrado” à grande indústria. Ao mesmo tempo, a atuação das organizações sociais e populares vai sendo inviabilizada no que é exemplo a recente aprovação do novo marco regulatório que criou tal quantidade e complexidade nas exigências a serem cumpridas no acesso a recursos públicos que somente grandes organizações com pessoal especializado e ampla estrutura instalada poderão operar.

 

2. O manejo dos recursos naturais

É, sem dúvida a segunda situação mais grave do Brasil (após a desigualdade) e que mereceu menor grau de sensibilidade do PT no Governo Federal. O que se viu é que no Brasil, desde o início, foi desencadeado um processo de apropriação privada e consumo predador dos recursos naturais. Isso fez com que se tornassem escassos e, como o capital e a renda, nas mãos de poucos privilegiados. E a questão se agravou porque, no afã de atender à demanda dos mercados internacionais, a forma adotada para a alta produção de alguns alimentos, como soja, milho, cana e carne bovina exigem a expansão da área agriculturável e a adoção de formas químicas de produção que, além de serem agressivas às pessoas e à natureza, tornam-se fonte de gás carbônico em grau tão elevado quanto a emissão nos transportes de combustão fóssil. As consequências atingem as populações mais pobres.

Os movimentos sociais do Brasil, muito combativos nas décadas de 80 e 90 contra as grandes hidrelétricas e expansão do agronegócio, pouco falaram com a ascensão do PT e podem ser contadas as exceções dos que mantiveram o espírito de luta quanto a este assunto. No entanto, há de se destacar, a intensa mobilização de organizações indígenas, pequenas organizações locais e de alguns setores das Igrejas que ainda acreditam na possibilidade de reverter o quadro e conseguir convencer o Governo a agir de forma mais positiva quanto a este tema. E, principalmente, a considerar a urgência de conciliar a preservação do meio ambiente com a produção de alimentos, a garantia dos territórios e o acesso e uso de energia limpa.

 

3. As possibilidades e domínio do mercado

Talvez seja este o menos conhecido e mais rejeitado dos itens do atual modelo de desenvolvimento. Durante muito tempo, o mercado foi visto como um inimigo. Pensava-se que seria possível produzir apenas para o consumo próprio e quando muito efetuar trocas. Infelizmente, os governos do PT (e os governos anteriores) facilitaram a concentração da atividade produtiva e o acesso ao mercado quase que só pelas grandes corporações (as “companhias campeãs nacionais”, no dizer da política do Governo Lula). As cooperativas de consumo foram esmagadas, desde o Governo FHC, e as pequenas iniciativas vão sendo engolidas pelo crescimento das exigências fiscais e sanitárias que só os grandes podem cumprir. De modo geral, os movimentos populares, aí citando como exemplos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e o Movimento Nacional de Catadores e Catadoras, estão convencidos da necessidade da apropriação do mercado e, através da comercialização dos produtos, gerar renda para o seu processo social. Mas, por outro lado, setores do movimento sindical resistem aos processos de organização e autonomia produtiva e há em muitas organizações sociais ou desconhecimento ou desinteresse, buscando outros caminhos ainda não bem definidos (como é o caso da chamada “economia solidária” ou das alternativas de microcrédito que pulverizam os esforços e recursos e não criam condições de atuação econômica) que tem imensas dificuldades de se concretizar.

 

4. A transformação agrária

As iniciativas de uso social da terra foram inviabilizadas pela ideologia da propriedade privada ou pelo poder discricionário do Estado sempre posto ao lado dos grandes latifundiários. No entanto, a reconstituição agrária sempre foi vista como essencial para o desenvolvimento. Em determinado momento, como alternativa, as organizações sociais junto com movimentos populares, idealizaram uma fórmula de enfrentamento da propriedade privada com a instituição de iniciativas coletivas que funcionaram, em alguns lugares, mas sem grande consistência. Com o passar do tempo, porém, capitularam frente aos problemas (dificuldades de entendimento e de disciplina de gestão e produção, por exemplo) apesar de, algumas delas, terem acabado por aceitar uma ideia mista da pequena propriedade combinada com a possibilidade de ação econômico-produtiva coletiva.

Os governos do PT preferiram acreditar na revolução agrária do agronegócio, plenamente vitorioso na manutenção de índices extraordinários de exportação de commodities e, com isso, aceitaram serem essenciais no resultado econômico do país.

As organizações sociais mais combativas neste campo e os movimentos populares, com exceções, estiveram bloqueados pelas suas próprias dificuldades de sobrevivência (com a gradativa ausência do apoio da cooperação internacional) e acabaram se conformando com as possibilidades restritas oferecidas à margem pela estrutura de poder. Com isso, a questão agrária foi se esvaindo na agenda de debate e luta política, e praticamente se tornou inviabilizada como proposta, a partir do pequeno produtor, de desenvolvimento do país. Mesmo os eventuais incentivos às cooperativas da agricultura familiar são reduzidos a quase nada por políticas fiscais, tributárias e de incentivo, que mais favorecem as grandes corporações industriais.

 

5 – A participação social e o exercício do poder

A compreensão de que o Estado em geral e o Governo em particular já sabem o que é melhor para o povo, inviabilizou as possibilidades da participação social, tornando-se mais suporte ao exercício do cargo que determinante na construção de uma nova sociedade mais justa.

A gestão do PT, neste sentido, favoreceu a permanência e, em alguns casos, o fortalecimento de poderes privados (a economia empresarial capitalista, a religião fundamentalista, a educação tradicional e os meios de comunicação conservadores) que exercem importante influência e acabam “determinando” no “interior” das sociedades o dos governos o que pode ou não ocorrer e sobre eles há pouco ou nenhum controle social.

O conceito de política a serviço da mudança da realidade e da justiça ainda não conseguiu marcar presença na administração pública do Estado brasileiro. Parece que os governos recentes, como os anteriores, tendem a considerar a política como um serviço de conciliação dos interesses dos dominantes e a busca de resultados econômicos gerais que nem sempre chegam ao conjunto da população.

É fonte corrente que militantes de organizações sociais e movimentos populares não atrelados diretamente ao poder público estejam cada vez mais insatisfeitos e decepcionados com os governos recentes e que enxerguem neles um conservadorismo que remete aos governos anteriores ao PT. A vinculação ao que se convencionou chamar de “eixo do mal” (agronegócio, “fundamentalismo religioso” e grandes veículos de comunicação) e a persistente presença nos momentos de decisão do “núcleo duro” do Governo (conservador, vinculado ao grande empresariado e avesso ao diálogo), somados a um perfil centralizador, leva a se perceber o quanto perdemos e o pouco que avançamos para mudar a situação quanto a ampliar a participação e acesso ao poder de atuação pelas camadas populares. O que é mais essencial que pequenas concessões, ajudas e melhorias que não transformam de forma duradoura a realidade do Brasil.