A cultrua da violência e a morte de jovens negros e pobres na Bahía: A baía dos corpos que não contam

| by praktikum@kooperation-brasilien.org
 Eduardo Machado*
Guerra urbana,
Até quando vai rolar?
Quero sabe do poder publico,
A segurança onde esta?
Polícia maldita, racista, fascista
Estado machista, capitalista
Saúde Doente
Cadê os impostos da gente?
Educação!
Quantas cifras ta custando?
Vamos continuar perguntando?
- Joquielson Batista

O fenômeno de homicídios que extermina a juventude negra, sistematicamente, é um dos problemas atuais mais desafiadores não apenas às agendas dos direitos humanos na Bahia e no Brasil, mas a nível global. O Brasil, com sua taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, é considerado pela Organização Mundial da Saúde como situação endêmica, supera os índices dos 12 países mais populosos do mundo. É na região Nordeste onde os números mais crescem: 73,6%, principalmente pelo elevado aumento dos homicídios em Natal e Salvador, onde o crescimento do número de homicídios ultrapassa a casa de 200% na década. (WAISELFISZ, 2013)

Para compreender a lógica da necropolítica brasileira, o genocídio da população jovem e negra trago à tona a reflexão do professor Silvio Almeida em sua obra Racismo Estrutural (2019) que afirma, “o racismo estabelecerá a linha divisória entre superiores e inferiores, entre bons e maus, entre os grupos que merecem viver e os que merecem morrer, entre os que terão a vida prolongada e os que serão deixados para a morte, entre os que devem permanecer vivos e o que serão mortos.”

No nosso caso o racismo à brasileira ancorado sobretudo pelo mito da democracia racial como bem aponta o ancestral e eterno professor Abdias do Nascimento, “um exame de seu desenvolvimento histórico revela a verdadeira natureza de sua estrutura social, cultural e política: é essencialmente racista e vitalmente ameaçadora para os negros.”. E, protelado pelo racismo institucional encandecidos pelo negacionismo político incidem nas instituições públicas para deixar bem nítido, em qual perfil de juventudes buscam-se investir de forma positiva, em detrimento é impõem-se o punitivismo popular e a seletividade penal à Juventude Negra. Tendo conhecimento de que o poder punitivo é um controle social institucionalizado e que atua desde a ocorrência (ou suspeita de ocorrência) de um delito até a execução da pena. (ZAFFARONI; PIERANGELI,2011,). 

Prova disto estão os níveis de violência homicida que aponta a cor ou raça como principais características, como destaca Júlio Jacobo Waiselfisz no Atlas da Violência sobre homicídios e juventude no Brasil (2016). Nesta lógica, os jovens negros são caracterizados como os “matáveis” – os negros cujas mortes, na maioria dos casos, nem sequer chegam a ser apuradas pela Polícia e não se tornam processos para aplicação da Lei e punição dos responsáveis. Enquanto na mesma síntese, observa-se um protecionismo exacerbado comprovado pelos baixos níveis de vulnerabilidades e a elevação de direitos garantidos aos jovens não negros.

De acordo com o Pacto Internacional sobre Direitos Civís e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Brasil tem a obrigação de prevenir e responsabilizar a violência criminal, assim como deve garantir pleno respeito à vida de todas às pessoas sob sua jurisdição. Porém nas últimas decadas e, sobretudo, nos últimos anos, o Estado Brasileiro age na contramão desses valores constitutivos, ignorando princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988, como o da dignidade humana e reafirma o caráter de um modelo cívico brasileiro herdado da escravidão.  

Os homicídios de jovens negros ocorrem de maneira desproporcional não só do ponto de vista demográfico e territorial centro e periferia, assim como demonstra o abismo que separa homens brancos e negros no que se refere a punição, inclusive com às mortes violentas letais intencionais, um cenário ainda mais dramático na Bahia, como bem destaca a Rede de Observatório da Segurança na pesquisa A cor da violência na Bahia, (2020). Em 2018, a taxa de homicídios para homens negros na Bahia foi de 103 por cem mil habitantes, enquanto, para homens brancos, a taxa ficou em 23 por cem mil habitantes. Ou seja: a taxa de homicídios entre negros é 4,5 vezes maior do que entre brancos.”.

Segundo dados divulgados pelo relatório "A vida resiste: além dos dados da violência (2021)", da Rede de Observatórios da Segurança , na comparação de junho de 2019 a maio deste ano, a Bahia registrou 247 vítimas em chacinas, sendo que 165 foram vítimas fatais. A pesquisa ainda denuncia que 96,9% das pessoas com cor e raça informadas assassinadas pela Polícia Militar da Bahia, em 2019, eram negras, ou seja, das 489 vítimas por intervenção policial identificadas.  Demonstrando que a polícia baiana destaca-se uma das mais letais do mundo e que exerce a mãos de ferro a seletividade penal. Em um breve comparativo com todo o território brasileiro, a Bahia é considerada como o estado que tem a polícia mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas.

Um dos fatores que contribuem hegemonicamente para naturalização da cultura da violência absurda na Bahia é o processo de desumanização, o que o documentário Não Somos + Um (2015), produzido por jovens do território do Subúrbio Ferroviário de Salvador e, pertencentes ao projeto Juventude Negra e Participação Política realizado pela Ong Cipó Comunicação Interativa, denuncia através da socióloga e, na época, ouvidora da Defensoria Pública do estado da Bahia, Vilma Reis:

Aquilo que Gabriela Ramos nos lembra ao afirma que quando a bala chega em nós já estamos mortos. É importante reposicionar isso e lembrar esse pensamento que é verdade. Estamos falando de uma juventude negra assassinada covardemente. Pra quem assassina seja o policial ou as forças paramilitares, sustentadas pelo Estado, não bastam apenas dar um, ou dois tiros, às vezes, um jovem negro é assassinado com trinta tiros. Trinta e cinco tiros! E você fica pensando, o que é isso mesmo? Não é o ato super violento e covarde de matar esse jovem negro, mas é mesmo o ato de dilacerar esse corpo.” 

A política de guerra às drogas previstas nos tipos penais do art. 28 e do 33 da Lei 11.343/06, é baseada em uma lógica criminal e não preventiva com um olhar de saúde pública, foi instituída pelo Estado brasileiro e começou a vigorar, no ano de 2008 é um dos principais fatores que contribuem para a coerção e condenação de vidas jovens e negras. 

Desta forma, o critério de diferenciação, previsto no art. 28, § 2º, estabelece que: para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. Ou seja, pela pré-seleção e representação que (policial, promotor ou juiz) têm sobre quem é o traficante e quem é o usuário de drogas. 

De acordo com o relatório de audiência de custodia da cidade de Salvador- Bahia (2019), realizada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia e que tem como o objetivo traçar uma análise do perfil dos presos em flagrantes, além de questões jurídicas relevantes. Quanto à autodeclaração de cor, do total de presos em flagrantes, 4.428 deles são negros, conforme critério adotado pelo Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), o que representa um percentual de 97,8%, se desconsiderados o número de “sem informação” e amarelos, enquanto que 2,2% dos flagranteados, são brancos. Quanto à idade dos flagranteados 65,3% de casos envolvendo pessoas jovens e, em 99,7% dos casos os fundamentos para decretação da prisão foram a manutenção pública e a lei de drogas.

Portanto é notório que mesmo 133 anos após a tão conclamada abolição da escravatura, a população negra no Brasil ainda sofra com as consequências de um sistema que é regulado pela discriminação e desigualdade raciais reservando aos negros e as negras deste País, apenas os altos índices de exclusão educacional, marginalização, subemprego, violência, encarceramento e mortalidade. Aliados a isso, a falta de ações efetivas e agregadoras no que diz respeito a contribuição na luta antirracista, seja pela ausência ou a ineficiência, de uma política de estado que promova e busque prevenir as consequências do racismo estrutural. Esta ação direcionada é algo a ser encarado como uma endemia histórica e em âmbito estrutural, uma doença que precisamos extirpar do seio social em um trabalho que deve ser cooperativo e rigoroso de caráter extremamente efetivo entre governos, instituições e sociedade civil.

 

*Eduardo Machado – graduado em jornalismo pela Faculdade Social da Bahia. É educomunicador e articulador referência na Ong Cipó Comunicação Interativa. Militante do Movimento Negro, ogan no Ilê Axé Torrun Gunan e correspondente da Agência Mural, em Salvador.

 Referências

http://joquielson.blogspot.com/;

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2014: os jovens do Brasil. 

Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2014.

 ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. -- São Paulo : Sueli Carneiro ; Pólen, 2019.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

NASCIMENTO, Abdias. Democracia racial: Mito ou realidade?, https://www.geledes.org.br/democracia-racial-mito-ou-realidade/

RELATÓRIO FINAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO HOMICÍDIOS DE JOVENS NEGROS E POBRES - https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1361419

Observatório de Segurança Pública. A Cor da violência na Bahia – uma análise de homicídio e violência sexual. (2020)  - http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/03/A-cor-da-viole%CC%82ncia-na-Bahia-Uma-ana%CC%81lise-dos-homici%CC%81dios-e-viole%CC%82ncia-sexual-na-u%CC%81ltima-de%CC%81cada-FINAL.pdf 

Observatório de Segurança Pública. A vida resiste além dos dados de violência (2021)

http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2021/07/REDE-DE-OBS_2_A-VIDA-RESISTE-_ALEM-DOS-DADOS-DA-VIOLENCIA.pdf 

Defensoria Pública do Estado da Bahia. Relatório das audiências de custódia em Salvador (2019) - https://www.defensoria.ba.def.br/wp-content/uploads/2020/10/sanitize_relatorio-audiecc82ncias-de-custodia-salvador-20192.pdf_291020-120915.pdf