Brasil: Um país de desesperados - Uma breve análise do primeiro turno -

| by praktikum@kooperation-brasilien.org

O Brasil votou para presidente, governador e também para eleger os deputados da câmera no domingo do dia 7 de outubro. Na segunda-feira, o resultado de uma das maiores eleições democráticas do planeta já havia sido apurada. Bolsonaro ficou em primeiro lugar com 46,03% dos votos, e bem atrás vinha Haddad com 29,28% dos votos válidos. Os resultados do primeiro turno evidenciaram os crescentes sentimentos de indignação, desesperança e raiva dos últimos anos, que já nas eleições de 2014 se mostravam presentes, aonde Dilma Rousseff foi eleita por um triz a presidência da república. O quadro era de um país altamente dividido. Nos últimos meses essa polarização só aumentou e ganhou um cunho distinto: um discurso conservador de extrema direita, um discurso de ódio que o Brasil ainda não havia conhecido dentro de sua história democrática. A polarização já existia em 2014 quando Aécio Neves era o oponente de Dilma, mas não havia ainda cunhos extremistas no meio. Os resultados desse primeiro turno assustaram grande parte da sociedade brasileira. É a primeira vez que um candidato de extrema direita ganhou tantos votos do eleitorado brasileiro e está a frente da corrida eleitoral. Um candidato que nega a existência da ditadura no Brasil pode agora pode ser eleito democraticamente pela nação. Num país, aonde a democracia faz parte da história recente do país, esse é um resultado assustador.

Mas não é só isso que fazem essas eleições serem tão fora do padrão eleitoral brasileiro. Essas eleições também trouxeram mudanças significativas em várias esferas: nomes tradicionais da politica brasileira, como Eduardo Suplicy, Edison Lobão, Romero Jucá, Eunício de Oliveira e Dilma Rousseff não conseguiram cargos. Uma surpresa para políticos que pareciam ter cadeiras vitalícias no senado brasileiro. Outras novidades importantes são o crescimento exponencial do pequeno partido PSL, a queda brusca do MPD (antigo PMDB), e o PSDB perdendo seu papel de grande opositor do PT. Parece que tudo que conhecíamos da política tradicional brasileira foi colocado de cabeça pra baixo. Mais da metade dos brasileiros, a parcela que não votou no Bolsonaro, se sentem alarmados e se perguntam, de onde saíram repentinamente tantos eleitores conservadores.

 

Aonde se vê essa polarização?

Se analisarmos as faixa-etárias de idade desse eleitorado podemos ser surpreendidos mais uma vez. Não há como identificar uma faixa-etária específica para os eleitores de Bolsonaro. O “Bolsomito”, como ele é chamado pelos seus eleitores, parece de fato agradar dos mais jovens até os mais velhos da sociedade. Porém, a aderência a ele é maior entre os brasileiros de 35 a 44 anos. 54% dos eleitores nessa faixa-etária votaram nele nesse primeiro turno e se dependesse deles Bolsonaro já teria sido eleito presidente. Mas enquanto os votos desse grupo podem ser mais facilmente correlacionados com as características de pessoas dessa faixa-etária, os votos dos mais jovens parecem ser bem mais controversos.

Numa pesquisa feita pelo Ipobe publicada no último dia 15 de outubro, metade dos jovens entre 16 e 24 anos responderam dar seu voto a Bolsonaro no segundo turno. Entre a faixa-etária de 24 a 34 anos a intenção de votos é ainda maior: 55% afirmaram dar seu voto a Bolsonaro no próximo dia 28. Jovens tem como característica serem sonhadores, cheios de esperança e grandes ideais. São sempre chamados de “futuro da nação”. Parece estranho que um candidato de extrema direita que desdenha negros, mulheres, gays, etc, ganhe a afeição dos que deveriam ser os grandes sonhadores e idealizadores do país. Infelizmente aqui já vemos os indícios de uma juventude desilusionada que parece não ver perspectivas e acreditar num Brasil melhor. É uma juventude que cresceu na Era do PT e não vivenciou a ditatura. Uma juventude que cresceu num país que nunca trabalhou sua história recente.

Olhando esses números fica claro que a polarização que vivenciamos não se encontra na diferença de idade do eleitorado brasileiro. Não é uma polarização geracional, uma diferença entre velhos conservadores e jovens idealistas, como se podia identificar na votação do BREXIT. Mas se essa polarização não se encontra na faixa etária aonde podemos então identificar esse cabo de guerra dos extremos?

Se olharmos agora atentamente quais candidatos ganharam mais votos em cada estado, podemos identificar claramente os sintomas da polarização. É o nordeste que garante Haddad no segundo turno. Mais de 60% da população de estados como Maranhão, Piauí e Bahia votaram no candidato petista, enquanto as outras regiões do Brasil se posicionaram claramente do lado conservador. Claro, no norte do país se encontram os extratos mais pobres da sociedade. Mas não é o extrato social sozinho que explica o fenômeno dessa polarização de extrema direita. Há negros, índios e pobres de todas as outras regiões do Brasil votando no Bolsonaro. Mesmo estados marcados por grande pobreza, aonde as pautas indígenas são de suma importância como o Acre e Rondônia foram em sua maioria por Bolsonaro. Tanto em Rondônia como no Acre, estado da também candidata Marina Silva, Bolsonaro recebeu exatos 62, 24% dos votos. Só o fator pobreza não explica essa diferença. O Brasil não é um país com 46% de pessoas classe média e alta, como a porcentagem de votos que Bolsonaro recebeu indicaria. Assim como nas eleições de 2014, vemos novamente um claro quadro de divisão regional do país. Em 2014 já haviam vários memes e paródias circulando na internet. Assim, o que não faltavam eram slogans de: “vá pra Cuba” para todas que haviam votado no PT e “me deixem do lado aonde se dança forró” dos petistas.

 

A origem da radicalização

 

Em retrospectiva as eleições de 2014, já podemos identificar os problemas que vieram a se tornar cruciais na radicalização da sociedade brasileira. Problemas que tornaram essas eleições tão únicas pelo fato de a polarização ter tomado formas de radicalismo antes não existentes no Brasil. A desilusão e perda de perspectivas que foram tão evidenciadas nos protestos de 2013 são marcos do que estamos vendo ocorrer hoje com o Brasil. Em seguimento houve uma copa do mundo em que se esbanjava dinheiro do povo e aumentavam impostos. Os direitos dos trabalhadores eram mitigados. Diariamente podia se acompanhar os casos de corrupção nos jornais, enquanto muitos outros pareciam surgir por todos os lados. Dentro desse contexto, via-se os deputados da câmera votando para aumentar seus próprios salários. Tudo isso fazia pressão numa panela já acesa. Havia um buraco ali. Os gritos e agonia da população que foi as ruas em 2013 não foram ouvidos pela classe política. Eles estavam ocupados depois em suas lutas pelo poder, principalmente o PMDB formando um complô para destituir a presidente Dilma. Dilma não tinha mais apoio político para governar. O PT também gastava todas as suas forças para se defender dos ataques da oposição. Não havia governo. O povo não recebeu uma reação a altura dos seus protestos. Ficou um vazio e a clara sensação por parte da população de estarem todos sendo feito de bobos.

Somado a essa perplexidade e indignação do povo com os escândalos diários que se liam nos jornais brasileiros teve a crise econômica que começou em 2008. Essa crise foi o começo da gradativa perda das conquistas sociais e econômicas feitas na era Lula. A inflação aumentava a cada dia e diminuía o poder de compra dos cidadãos. Os brasileiros viam os produtos encarecendo diariamente nas prateleiras dos supermercados, enquanto que os seus salários não estavam acompanhando a inflação. A diminuição da pobreza e da desigualdade social, do qual o Brasil e o PT tanto se orgulhavam, e que era o grande motivo de ter se tido tanta fé na esquerda, se transformavam em pó. O índice de desemprego começou a subir e o Brasil emplacou na maior recessão de sua historia recente.

As demonstrações que tomaram conta do Brasil e fizeram milhões de brasileiros irem as ruas reivindicar contra a corrupção e perdas significativas de suas conquistas se concentravam no sul e sudeste brasileiro. O governo, que ainda era regido pelo PT e tinha Dilma Rousseff como presidente não reagiu rápido as demandas vindas das ruas. A classe política inteira tentou colocar panos quentes na situação e fazer o que era tão até então tão costumeiro no Brasil: confiar na memória curta do povo. Confiavam plenamente de que aquela indignação logo esfriaria e se transformaria em nada. Os ânimos logo se acalmariam-  pensavam eles. Foi um grande erro. E esse erro abriu uma lacuna que deu espaço para que a extrema direita e outras bancadas políticas que circundavam o poder se apropriasse das dores brasileiras e crescessem.

O descontentamento e indignação do povo acabou sendo lentamente instrumentalizado pela extrema direita de Bolsonaro, que identificou ali sua grande chance de ascensão. As reivindicações das ruas foram aderidas ao discurso conservador de Bolsonaro, que tomou para si o papel de salvador da pátria. Enquanto os partidos tradicionais se preocupavam com suas lutas de poder e ignoravam as vozes da rua, Bolsonaro e a extrema direita se focavam em incorporar as demandas do povo ao seu discurso conservador. As soluções apresentadas por ele eram muito simplistas e enfáticas, mas mexiam na ferida latente dos brasileiros e prometia acabar com a sua dor. Entre outras jogadas eleitorais, Bolsonaro migrou para o partido liberal PLS. Esse já era um primeiro passo para acoplar a si as demandas das ruas, que em sua grande parte estavam fartos de um estado que havia se agigantado para servir de moeda de troca do governo e que era uma peça da perpetuação dos grandes esquemas de corrupção partidários.

O PLS, um partido nanico foi completamente consumido por Bolsonaro. A maioria dos então membros do partido saíram, alegando incompatibilidade política já que o partido havia mudado seu caráter desde a entrada do novo membro. O PSL se tornou neste primeiro turno das eleições a segunda maior bancada da câmera e o principal adversário do PT nessas eleições, destituindo o tradicional PSDB deste papel. O que começou parecendo um candidato caricato e desacreditado pelas mídias se tornou cada vez mais real. Bolsonaro incorporou para si o líder forte que iria acabar com a corrupção e limpar o Brasil de todos os seus problemas.

Passo a passo o seu discurso de soluções fáceis começou a adentrar a mentes e o coração dos brasileiros. O fato é que já em 2014 a população não acreditava mais nos partidos tradicionais. Eles haviam estado por muito tempo no poder e mostraram ter perdido todo e qualquer ideal que um dia os guiaram até o poder. A nação sonhadora que votou no Lula em 2002 via agora políticos trabalhando para a sua mera perpetuação no poder.

A estratégia de Bolsonaro deu certo. O discurso do ódio cresceu e todos queriam mostrar que não aceitavam mais toda essa politica tradicional que se comprovou ser suja e traidora de ideias. Com a ajuda da mídia, a raiva se voltada principalmente contra o PT. O outrora queridinho da nação, na qual os brasileiros depositaram toda a sua fé. Com exceção do nordeste, aonde por exemplo o estado de Alagoas elegeu neste primeiro turno o filho de Renan Calheiros, Renan Filho, com incríveis 78% dos votos, o clima predominante no Brasil é de rejeição a politica tradicional. Não só aos grandes partidos como também aos nomes tradicionais da politica. Tudo que havia dominado o cenário politico até agora é rechaçado. É o sintoma do desgosto e descrença nacional. Todos estavam fatigados da sujeira politica e Bolsonaro foi bem sucedido em utilizar a indignação e raiva da população.

 

Bolsonaro: O Salvador da Pátria Amoral

 

Bolsonaro não é uma cara nova na politica brasileira. Muitos clamam ser estranho uma velha figura de repente incorporar a rebeldia e o sentimento anti-establishment que tomou conta da população. Mas sim, é possível e isso se tornou realidade. Exatamente pelo fato de que Bolsonaro não era até agora um dos grandes nomes da política, ele desfrutou de um oportuno anonimato em tempos de Mensalão e Lava Jato, os grandes casos de corrupção que afundavam nomes importantes que integravam o governo. Na pauta diária se encontravam Lula, Romero Jucá, Aécio Neves, Temer e por aí vai a longa lista de indiciados. Por essa perspectiva pode se dizer que Bolsonaro era sim, um candidato novo para os brasileiros. Ele não estava na memória do povo e portanto não foi difícil pra ele bancar o bom moço, mesmo tendo sentado por vinte anos na câmera dos deputados e haver indícios de corrupção contra ele. Bolsonaro emplacou como novidade e como figura contraria a tudo que é sujo e impuro.  Parte de sua estratégia contribuiu ainda mais para fortalecer sua imagem: a aproximação ás bancadas evangélicas. Bolsonaro era o candidato em prol da família e da segurança. Quem não é, não é mesmo?

Embora o Brasil precise ainda trabalhar muito em suas questões raciais, homofóbicas e de classes sociais, as origens do radicalismo de direita que vemos hoje não são essas. Esses são os aspectos que nunca foram trabalhados e são usados em momentos de crise como esse para inflamar as diferenças do povo. Isso fica claro quando vemos quão heterogênio o eleitorado do Bolsonaro é. Ironicamente vemos negros, mulheres e pobres votando no Bolsonaro. A polarização do país parece estar muito mais correlacionada com as diferenças regionais e a fragilidade do povo nesse momento histórico do país do que com outras questões de enfoque. Muita gente não nota essa armadilha. O nordeste, a população mais pobre do país é acusada de ter perdido qualquer senso crítico ao cair nas graças da esquerda (e mais concretamente do PT) e ser comprada através dos programas sociais como o Bolsa Família. O restante do país é acusado pela esquerda de serem radicais que se posicionam contra as minorias, as eternas elites que temem a ascensão dos pobres na sociedade. Mas até aonde tudo isso faz sentido?

Essas também parecem ser respostas tão simplistas como as soluções que Bolsonaro dá em seus discursos. Preto e Branco. Os bons e os maus. A esquerda e a direita.   Esse tipo de abordagem é preguiçosa. Evoca e acentua o ódio e as diferenças num país tão heterogênio como o Brasil. Sim, o Brasil tem muito o que trabalhar. Mas os Brasileiros não tem como característica serem um povo mesquinho e fascista. É sim, um povo que precisa de esperança. Algo que dê uma perspectiva a massa de descrentes. Algum contraponto ao Bolsonaro.

Prova disso é que esse mesmo país votou conjuntamente por um projeto de futuro em 2002 ao eleger Luiz Inácio da Silva na maior eleição democrática da historia do mundo. O Brasil estava junto em prol da diminuição da desigualdade social, em defesa da natureza e dos direitos humanos. Era uma bandeira conjunta. Todos estavam unidos por aqueles ideais. Muitas das pessoas que hoje votam Bolsonaro também votaram no PT em eleições passadas. Eles não são contra a distribuição de renda e a maioria reconhece que o PT tirou milhões de pessoas da pobreza e acham isso bom.

O que estamos vivenciando no Brasil já foi visto na história de outros países antes. Quando os anseios de grande parte da população são ignorados e nenhum partido tradicional apresenta uma solução, fica um buraco muito grande a ser preenchido. Qualquer personalidade forte que supra essas necessidades e passe confiança a um povo desacreditado pode ascender nesse terreno. No caso do Brasil é Bolsonaro.  O homem de “confiança em prol da família” que promete combater a corrupção, diminuir a criminalidade, tirar o Brasil da recessão e moralizar o país. O cara que vai colocar a casa em ordem. O cara que quer unir o Brasil pela “moral”.

A situação do PT está bem complicada para esse segundo turno que ocorrerá no dia 28 de outubro. Não só o PT, como toda a esquerda e os partidos tradicionais parecem perdidos e inaptos a reconhecer o atual momento brasileiro. Será uma grande surpresa se Haddad ganhar as eleições. Nunca houve uma virada no segundo turno. A esquerda vai ter um trabalho muito árduo para tentar reverter esse quadro nos próximos 10 dias de campanha eleitoral. Haddad só terá chance de se eleger se receber o apoio massivo de todas as linhas de esquerda e conseguir reverter parte dos votos dos “bolsomitos”. Esse último quesito, a reversão dos eleitores do Bolsonaro, só será possível se a esquerda acordar e se olhar no espelho para reconhecer as mudanças que tem que ser feitas afim de espelhar de novo os anseios do povo. É imprescindível que os opositores de Bolsonaro se unam pela bandeira da paz, da reconciliação nacional e da democracia. Se esse for o caso, pode ser que Haddad e a esquerda ainda tenham uma chance.

O Brasil é um país com uma diversidade étnica e cultural enorme. Países que trazem essas características são de difícil unificação. Nesses casos se faz necessário um senso comum. Algo que uma a nação e que todos acreditem. Foi isso que elegeu Lula e o PT em 2002. Ele personificava a esperança da nação num país justo, num pais melhor. Parte do eleitorado parece conferir a Bolsonaro agora esse papel unificador, com a bandeira de unir a nação em nome da “moral”.

A situação do PT está bem complicada para esse segundo turno que ocorrerá no dia 28 de outubro. Nunca houve uma virada no segundo turno. A esquerda vai ter um trabalho muito árduo para tentar reverter esse quadro nos últimos dias de campanha eleitoral. Haddad só terá chance de se eleger se receber o apoio massivo de todas as linhas de esquerda e se conseguir reverter os votos de parte dos “bolsomitos”. Esse último quesito só será possível se a esquerda for humilde o suficiente e deixar qualquer ego de lado. A esquerda precisa acordar e se olhar no espelho para reconhecer as mudanças que tem que ser feitas afim de espelhar de novo os anseios do povo. É imprescindível que os opositores de Bolsonaro se unam pela bandeira da paz, da reconciliação nacional e da democracia. Se esse for o caso, pode ser que Haddad e a esquerda ainda tenham uma chance.