Colaboração da Volkswagen do Brasil com a ditadura militar brasileira

Discurso de Christian Russau da Associação de Acionistas Críticos(as) na assembléia annual dos acionistas da Volkswagen AG, Berlim, 3 de Maio de 2018 [Tradução: Daisy Ribeiro].
| by Christian Russau. Tradução: Daisy Ribeiro

Prezadas senhoras e senhores,

passemos logo ao que importa:

Nós, da
Associação de Acionistas Críticos(as), acusamos a Volkswagen, seu Conselho Diretor e seu Conselho de Administração, de grave negligência na averiguação da colaboração da Volkswagen do Brasil com a ditadura militar brasileira (1964-1985). Após a publicação do estudo realizado a pedido da VW pelo historiador Christopher Kopper sobre o envolvimento da VW do Brasil nas atrocidades da ditadura militar, a empresa deveria ter se dirigido aos trabalhadores e trabalhadoras afetados e se desculpado publicamente. A VW deveria também ter oferecido indenizações adequadas. Nada disso, porém, ocorreu. Portanto, rejeitamos a prestação de contas dos Conselhos Diretor e de Administração e pedimos às pessoas aqui presentes – aquelas que colocam o respeito, a garantia e o cumprimento dos direitos humanos acima do lucro – que também recusem a aprovação de contas dos Conselhos Diretor e do Conselho de Administração.

Do que se trata, exatamente? Em 2014, nós demandamos ao Conselho Diretor da Volkswagen que tratasse da questão da colaboração da VW no Brasil com a ditadura militar brasileira (1964-85) e fizesse um pedido público de desculpas às vítimas.

Frente a isto, foi inicialmente contratado o historiador de empresas Manfred Grieger, que começou a se dedicar ao tema, até ser colocado pelos(as) senhores(as) no ostracismo. Depois, o professor Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, foi encarregado de realizar esta pesquisa histórica, cujo relatório final publicado em dezembro de 2017.

Poucos dias antes disso, outro relatório de pesquisa foi publicado, este do ex-investigador de polícia Guaracy Mingardi, chamado a dar um parecer oficial ao Ministério Público Federal. O MPF investiga o caso desde setembro de 2015, quando o
Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, que reúne trabalhadores(as) afetados(as) e onze entidades sindicais, realizou uma denúncia contra a VW do Brasil.

Nós temos, portanto, por assim dizer, o relatório do Kopper e relatório do Mingardi. Ambos são similares em conteúdo:

O relatório do parecerista brasileiro Guaracy Mingardi confirma, essencialmente, as
acusações de colaboração da VW com a ditadura militar. Mingardi confirma ter havido “não somente a colaboração por meio da troca de informações [com os órgãos da repressão], mas também a repressão ativa dos próprios trabalhadores”. Também os relatos dos ex-trabalhadores da VW Lúcio Bellentani e Heinrich Plagge, de que teriam sido presos por agentes do DOPS em seu local de trabalho e, na presença de seguranças da Volkswagen, levados ao centro de tortura do DOPS, foram confirmadas explicitamente por Mingardi em sua pesquisa.


Mingardi também corrobora o depoimento de Heinrich Plagge, dado ao MPF em meados de 2017. Em 8 de agosto de 1972, em torno de 14 horas, Plagge teria sido chamado ao escritório do gerente da VW do Brasil Ruy Luiz Giometti, onde, além de Giometti, dois desconhecidos o esperavam e ali declararam sua pris
ão. Plagge teria sido então levado ao DOPS, onde foi torturado por 30 dias. Depois, foi levado a uma prisão, da qual só foi liberado em 6 de dezembro, cerca de quatro meses após seu sequestro. Em 22 de dezembro de 1972, dezesseis dias após ter sido posto em liberdade, Plagge foi demitido pela Volkswagen. A Comissão de Anistia, em decisão de 23 de setembro de 2008, julgou que a demissão de Plagge, efetuada em 1972 pela Volkswagen, havia sido “motivada politicamente”.

A esposa de Heinrich Plagge também depôs ao MPF no ano passado: ela relatou que, no dia 08 de agosto de 1972, à tarde, um funcionário de alto escal
ão da VW do Brasil a visitou em casa e a informou que Plagge havia tido de viajar a trabalho de última hora e, portanto, não tinha tido tempo de avisá-la. Somente meses depois ela teria descoberto onde Plagge estava: no centro de tortura DOPS. Isto mostra claramente que o alto escalão da VW do Brasil não somente tinha conhecimento da prisão de Plagge, como também teria tentado, ao que tudo indica, encobrir os atos da ditadura militar.

No dia 06 de mar
ço de 2018, Heinrich Plagge faleceu no Brasil, após um longo período doente. Ele tinha 79 anos de idade. E não recebeu, em vida, um pedido de desculpas por parte da Volkswagen.

O relatório do Kopper igualmente confirma a colaboração da VW do Brasil com os órgãos da repressão. Mas o que a Volkswagen fez com essa informação, numa nota de imprensa tão esperta quanto habilidosa? A Volkswagen, em nota à imprensa de 14/12/2017, tira conclusões completamente absurdas a partir do Relatório de Kopper. A empresa até reconhece ter havido uma cooperação entre “indivíduos da vigilância” da VW do Brasil e a polícia política (DOPS) do antigo regime militar, mas nega que haja provas definitivas comprovando que a cooperação tenha se baseado em uma “ação institucional por parte da empresa”.

Nós, da Associação de Acionistas Críticos(as), criticamos veementemente essa tese de responsabilização individual. Simplesmente porque essa tese de responsabilização individual não é verdadeira, segundo as fontes existentes e as pesquisas realizadas tanto por Christopher Kopper quanto pelo ex-investigador de polícia Guaracy Mingardi, esta última realizada a pedido do Ministério Público brasileiro.

Vejamos a seguir os resultados do relatório do Kopper, em detalhe:

Christopher Kopper escreve: o chefe da seguran
ça da VW do Brasil, Adhemar Rudge, teria agido “por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito do conselho”. Isso já não soa mais como uma ação individual. Afinal, se o Conselho da VW do Brasil, com seu poder diretivo, sabia disso (“com o conhecimento tácito”) e, como o Christopher Kopper escreve, nessa época “o uso de tortura pela polícia política já era de conhecimento público tanto no Brasil quanto na Alemanha”, então o Conselho da VW do Brasil, aceitou, de forma ciente, o risco de que, em instalações fabris que lhe eram subordinadas, pessoas fossem entregues à tortura.

Em que outro caso, senão este, se deveria falar em colaboração no crime de tortura?

Também o relatório do Mingardi aponta para esta direção e ainda vai além: Guaracy Mingardi descobriu que as informações repassadas pela VW do Brasil ao serviço secreto brasileiro e aos órgãos de repressão tinham que passar pela mesa do antigo chefe da VW do Brasil, Wolfgang Sauer, antes de serem liberadas. Isso ocorreu principalmente nos chamados “anos de chumbo“ do Brasil, ou seja, entre 1969 e 1975, onde oposicionistas ou aqueles suspeitos de atividade sindical eram presos e torturados.

É incontroverso, também, que os executivos da VW do Brasil sabiam em detalhes sobre os atos terríveis da ditadura militar brasileira, como tortura, assassinato e desaparecimento for
çado. Nesse contexto, repito aqui uma citação do então presidente da VW do Brasil, Werner Paul Schmidt, no jornal Süddeutsche Zeitung de 16/02/1973, nestas palavras: “Claro que a Polícia e o Exército torturam presos para conseguir informações importantes, claro que, com os politicamente subversivos muitas vezes não é feito nem mais um processo judicial, mas sim atiram direto, mas um relato objetivo teria que incluir que, sem ser duro, não se vai pra frente. E se está indo pra frente.” [FIM DA CITAÇÃO]. Também o relatório do Kopper estabelece que “o uso da tortura pela polícia política já era de conhecimento público no Brasil e na Alemanha”. [FIM DA CITAÇÃO]

Diante disso só é possível concluir que:

Se, portanto, o então Conselho da VW do Brasil tinha pleno conhecimento de que o regime brasileiro torturava e matava, também lhes deve ter sido claro o que ocorria com as pessoas depois que a VW do Brasil entregava informações sobre elas ao regime ditatorial. O então Conselho da VW do Brasil era formado por cidadãos alemães, enviados diretamente de Wolfsburg e que atuavam como emissários no Brasil e, dessa forma, representavam diretamente a Volkswagen. Com isso, a Volkswagen tem total co-responsabilidade com os conselhos da VW do Brasil em São Paulo, os quais, por meio do repasse de informações sobre os próprios funcionários ao regime de tortura, aceitaram, de forma ciente, o risco que instalações fabris subordinadas entregassem pessoas diretamente à tortura.

Que esse comportamento da Volkswagen seja caracterizado como qualquer coisa que não uma intencional e consciente participação no crime de tortura, não é compreensível para nós, Acionistas Críticos(as). Também não entendemos como a Volkswagen ainda insiste na tese da responsabilidade individual.

E aí os(as) senhores(as), em Wolfsburg, reagem com surpresa que, na apresentação do relatório de Kopper em dezembro de 2017 em São Paulo, para a qual a Volkswagen, com toda pompa e circunstância, tentou convidar e convencer os trabalhadores vítimas a irem e se juntarem aos que aplaudem a VW, – enfim, aí os senhores(as) ficam surpresos(as), que estes trabalhadores – os quais, durante os anos de chumbo da ditadura brasileira foram entregues pelos funcionários e chefes da VW do Brasil à tortura, – , os senhores(as), em Wolfsburg, ficam surpresos(as) que os trabalhadores não demonstrem gratidão à VW, nem queiram honrá-la e prestar homenagem, os senhores(as) ficam surpresos(as), que estes trabalhadores se recusem a participar de um evento da VW, quando, após mais de 40 anos, enfim é publicada... uma pesquisa?

Ora: é mais do que hora da Volkswagen finalmente pedir desculpas – na íntegra e de maneira sincera e pública – junto aos trabalhadores vítimas e de iniciar negociações junto ao Ministério Público que conduz o caso desde 2015, para indenização justa, para que, assim, a Volkswagen finalmente assuma sua responsabilidade histórica.


Enquanto isso n
ão ocorrer, teremos que - e iremos - recusar a aprovação do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal. Continuaremos exercendo pressão pública enquanto for necessário.

Agrade
ço por sua atenção.

 

Tradução: Daisy Ribeiro