A Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto e a construção da agroecologia no território do Extremo Sul da Bahia.

Felipe Campelo*
| by hannah.dora@kooperation-brasilien.org

A Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto é uma escola fundada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado da Bahia. Integra a estratégia do MST em todo país, de construir territórios agroecológicos a partir de sua proposta de Reforma Agrária Popular.

O nome de Escola Popular, remete ao entendimento que todos companheiros e companheiras da classe trabalhadora, independente do grau de escolaridade e organização social do campo e cidade, são, ao mesmo tempo educadores e educandos. A Agroecologia, se insere no nome da escola, pois dentro de suas atividades pedagógicas, ocorre a análise crítica ao modelo de desenvolvimento capitalista, implementado no campo a partir do século XVIII, e propõem novas formas de relações entre o ser humano e a natureza, mediados a partir do trabalho coletivo e emancipador.

A palavra Agrofloresta, se coloca como uma ação central da escola, onde em todas suas atividades, estarem inseridas o plantio de mudas nativas da mata atlântica, recolocando as árvores nos sistemas agrários, contribuindo assim com a recuperação da mata atlântica e da biodiversidade local. Por fim e com muito orgulho, carregamos o legado de trazer no nome da escola, um grande militante que foi Egídio Brunetto, que teve na sua trajetória, a prática internacionalista junto aos camponeses do mundo e a defesa das sementes crioulas como símbolo da resistência camponesa.

A EPAAEB foi criada no ano de 2013, em meio às fervorosas lutas contra as empresas transnacionais de celulose, que dominam a área agrícola da região extremo Sul da Bahia. Por isso, germinou-se com uma missão histórica, de se fazer enquanto um espaço de oposição ao modelo imposto pelo agronegócio, e se constituir como uma alternativa de construção de conhecimento em prol da natureza, da luta dos Sem Terra e da recriação e resistência camponesa no campo. 

Sua constituição, se desenha como um espaço de formação de seres humanos, que sejam capazes de fortalecer a luta dos trabalhadores, a partir de uma educação popular, orientada pela pedagogia do Movimento Sem Terra, tendo a agroecologia como um pilar fundamental na construção do conhecimento e matriz de desenvolvimento sustentável para os territórios camponeses.

Neste horizonte, as formações em agroecologia ocorrem tanto na Escola Popular, quanto nos próprios assentamentos e acampamentos, em uma dinâmica que busca partir da realidade complexa pelo qual esses assentados e acampados vivem, tendo um olhar especial para sua condição organizacional, produtiva e econômica.

Quanto aos cenários onde ocorrem os processos de formação, destaca-se um ambiente pedagógico, que é o setor produtivo dentro da EPAAEB. Este tem como objetivo, contribuir com a escola na produção e sistematização dos conhecimentos em agroecologia que ajudem a transformar a vida das famílias assentadas.

Para isso, o setor se organiza nas seguintes unidades de produção: horta, Sistema Agrofloretal de café, cacau e fruticultura, horto medicinal, pimenta do reino, pequenos animais (galinhas e ovelhas), unidade de produção leiteira (em sistema PRV), produção de insumos (compostos orgânicos, biofertilizantes e caldas orgânicas) e culturas anuais (milho, feijão, abóbora, aipim, adubação verde).

Neste sentido, busca-se com essas unidades: ser referência em tecnologias aplicadas à agricultura familiar; produzir alimentos saudáveis livres de agrotóxicos, produzir para o auto-consumo, apresentar práticas ambientais de convivência com o bioma Mata Atlântica; ser unidades demonstrativas e de experimentações de acordo com as aptidões produtivas das famílias; ser sala de aula para processos educadores e proporcionar propaganda positiva da luta pela Reforma Agrária Popular.

Os agricultores contribuem na construção produtiva via capacitações formativas e trabalhos voluntários. Durante esses trabalhos, estes se apropriam do que a escola vem produzindo e ao mesmo tempo dividem seus conhecimentos de vida. Desta maneira se constrói a partilha de experiências e saberes no ato educativo do trabalho.

Pensando no futuro dos assentamentos, a Escola Popular também atua na dimensão da educação em agroecologia com o objetivo de construir o conhecimento agroecológico desde a infância até a juventude. Nesta perspectiva, construiu uma proposta curricular para a educação básica, tendo como premissa, estudar e vivenciar a agroecologia desde a infância construindo assim uma nova forma de conceber as relações homem-natureza.

A partir de então, a Escola Popular conjuntamente ao seu setor de educação elaborou alguns processos de formação para os educadores das nossas 52 escolas, visando assim debater sobre a agroecologia com os docentes e convocar esses a elaborar materiais de subsídio para o trabalho nas escolas.

Outra ação importante foi a construção 01 hectare dos quintais produtivos agroecológicos, que foram realizados em 836 lotes das famílias, com o objetivo de promover a produção para autoconsumo, geração de renda e a conectividade ambiental. Iniciou-se com o processo de preparo do solo e a utilização de insumos para correção da acidez, recuperação e melhoria da fertilidade do solo, sendo eles: calcário, gesso, fosfato natural e sulfato de potássio; devido às terras destinadas aos assentamentos agroecológicos apresentarem solos degradados, com taxas elevadas de acidez e consequentemente uma baixa fertilidade.

Para o enriquecimento com espécies nativas do bioma Mata Atlântica, cada quintal produtivo recebeu, 38 mudas frutíferas, 48 mudas de árvores pioneiras ou que toleravam plantio a pleno sol, contendo 20 espécies com diversos estratos para ocorrência da sucessão ecológica, como por exemplo o abiu da mata (Pouteriasp), goiaba do ipiranga (Psidiumcattleianum), ingá branco (Ingastriata), ipê amarelo (Eugenia uniflora), gibatão (Astroniumgraveolens), dentre outras.

Desde 2014 temos desenvolvida a campanha “Extremo Sul pela vida Agrotóxico Zero”, com o objetivo de socializar as informações acerca da ofensiva dos agrotóxicos na sociedade brasileira, especialmente na região de atuação da Escola Popular. A campanha percorreu mais de 40 escolas em assentamentos e acampamentos rurais da região, levando consigo informações sobre os impactos dos venenos agrícolas na vida humana e na natureza. As metodologias foram elaboradas pensando na interação lúdica dos estudantes. Foram exibidos filmes e documentários, disponibilizados jogos e distribuídos panfletos, cartazes e um caderno com conteúdos a serem consultados pelos docentes.

A EPAAEB em seu trabalho de contribuir na formação no campo da agroecologia, se desafiou a enfrentar uma grande mazela histórica, do qual são acometidos grande parte das famílias acampadas, que é o analfabetismo, identificamos que em torno de 25% das pessoas dos acampamentos eram analfabetas, assim utilizamos o método cubano “Sim eu Posso” e alfabetizamos 583 pessoas entre 2014 e 2017.

 

A partir do ano de 2017, ampliou-se a necessidade de avançar nas formações com os educadores, devido às demandas de aprofundamento teórico sobre as bases epistemológicas da agroecologia, educação do campo e pedagogia socialista. Desta maneira, fez-se necessário expandir as articulações no território a partir de parcerias com instituições públicas para então ofertar um curso lato sensu em Agroecologia e Educação.

Deste debate, culminou com três turmas de especialização em educação do campo e agroecologia, a primeira em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz (44 formandos), e a segunda (28 formandos) e terceira turma (22 educandos) em parceria com a Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e IFbaino, que se encerraram em 2021, 2022 e a terceira se iniciou em março deste ano.   

Outro curso importante na EPAAEB é o curso técnico em agroecologia, que em sua sexta turma, tem permitido uma gama ampla de atores sociais no território terem acesso ao estudo formal, sendo indígenas, sem terras, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares em geral o público desses cursos. Utilizamos o método da pedagogia da alternância, a qual os estudantes passam 15 dias na escola e 15 dias em suas comunidades, num processo dialógico entre o empirismo da vida cotidiana e a ciência acadêmica. Tenho atuado na coordenação política pedagógica da EPAAEB, contribuindo junto com os demais companheiros da escola na tarefa de ajudar a construir e debater com a sociedade a reforma agrária popular e a agroecologia no território do Extremo Sul da Bahia.

 

*Me chamo Felipe Campelo, moro num pré assentamento da reforma agrária chamado bela manhã no município de Teixeira de Freitas. Sou agrônomo e mestre em sociologia rural e atualmente estou fazendo doutorado, analisando os quintais produtivos nos assentamentos do extremo sul da Bahia. Atualmente sou coordenador político e pedagógico da escola popular de agroecologia e agrofloresta Egídio Brunetto, no extremo sul da Bahia.