Comunicação Popular e a Disputa de narrativas de Um Mesmo Brasil

Os Donos do Poder
| by fabian.kern@kooperation-brasilien.org

O contexto da comunicação no Brasil tem sido historicamente ligado a processos de dominação política, econômica e social do capital. A mídia brasileira foi forjada priorizando o sistema privado de comunicação, o que resultou numa enorme, e sem precedentes, concentração da propriedade dos veículos, verdadeiros oligopólios, que reúnem desde empresas de radiodifusão, por meio de concessões públicas, as empresas jornalísticas e editoras, englobando emissoras de televisão em canais abertos e por assinatura, emissoras de rádios, jornais impressos e eletrônicos, portais de notícias na internet, editoras de revistas e livros, produtoras de cinema, entre outras, em grupos midiáticos que pouco diversificam entre eles.

A concentração dos meios de comunicação no Brasil segue como um dos pontos mais vulneráveis da nossa já frágil e caduca democracia. A grande mídia é o principal partido político no Brasil contemporâneo, já apelidados por alguns como Partido da Imprensa Golpista – PIG. Concentrados nas mãos dos que detém o poder econômico e político, os meios de comunicação brasileiros seguem reproduzindo as pautas e narrativas hegemônicas, de interesse dos “donos” do poder. Sem a garantia de uma comunicação que represente a diversidade do nosso país, que tenha pluralidade de vozes e narrativas e suas peculiaridades regionais, de um país continental, a mídia brasileira segue forjando narrativas hegemônicas, a partir de um único segmento da sociedade, a elite brasileira, branca, de meia idade, heterossexual, localizada no eixo sul-sudeste. E são os seus valores, modos de pensar e viver que são retransmitidos dia após dia como única verdade para milhões de pessoas de norte a sul do Brasil.



O Nordeste e seu povo sempre tiveram uma representação negativa e estereotipada nos grandes veículos de comunicação, seja nas notícias dos telejornais, seja nos personagens das telenovelas. Muitas vezes sendo alvos de situações vexatórias também em programas de humor e entretenimento. É na região que a gente percebe como a grande mídia se distancia das realidades do povo brasileiro. Região extremamente rica, mas historicamente marcada pelas desigualdades, frutos de um regime escravista que deixou marcas profundas que estruturaram a sociedade brasileira até hoje. Não pode-se apostar em desenvolvimento e crescimento econômico, onde houve e há uma das maiores concentrações de terra no Brasil, falta de investimento adequado a região e muitas vezes uso político das condições ambientais naturais da região, que tem clima semiárido com poucas chuvas para manter um sistema oligárquico através de uma construção imagética representada pela miséria, fome e abandono, como se nosso povo nunca pudesse ser donos de sua própria história. O termo “coronelismo eletrônico” faz alusão aos coronéis, hoje, empresários e políticos modernos, mas outrora donos da terra e do povo por séculos na região, que agora dominam o espectro eletromagnético1 das telecomunicações no Brasil.

E nós como sociedade civil organizada, precisamos questionar esse modelo, como exercício rotineiro e democrático. Sobrará espaço para sociedade e Estado desenharem uma agenda voltada ao interesse público? Podemos falar em Estado Democrático de Direito sem uma mídia efetivamente democrática

A Internet Democratiza a Comunicação?

A questão da internet, da inclusão digital e da democracia pelo acesso às novas tecnologias não é garantia de democratização dos meios de comunicação, nem no mundo, muito menos no Brasil. A questão do acesso ainda é desafio na maioria dos países em desenvolvimento. A pandemia da covid-19 trouxe à tona uma realidade ignorada no Brasil: a falta de acesso à internet. Com o isolamento social por conta do novo coronavírus, desnudou problemas tanto de acesso, como de qualidade da internet que chega aos que tem acesso. De acordo com Centro Regional e Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), hoje, 46 milhões de brasileiros não tem acesso à internet. A pesquisa ainda indica que quando se trata de renda, entre a população mais pobre, apenas seis de cada dez brasileiros conseguem navegar pela internet e no campo apenas 53% da população acessa a internet. Em suma a pesquisa TIC Domicílios 2019 nos revela que o usuário de internet no país é predominantemente urbano, com escolaridade maior, principalmente médio e superior, idade entre 10 e 45 anos; e sobretudo das classes mais altas.

Nos últimos dois anos, temos assistidos inquietos e paralisados a avalanche de notícias falsas disparados através de grupos políticos que utilizam de alta tecnologia através de robôs ou aplicativos, que são utilizados de forma massiva para disparar mensagens mentirosas, geralmente sobre personalidades, políticos e pessoas públicas. Este formato de difusão de informação, foi usado fortemente nas eleições de 2018 no Brasil para a eleição de Jair Bolsonaro, que foi alvo de investigação posterior as eleições, por haver grupos de empresários bolsonaristas responsáveis pelo financiamento desta chamada “indústria de fake News”. Isto tem nos provocado a refletir sobre o papel da internet, antes chamada, de quarta revolução industrial, pelo fórum econômico mundial, pode se tornar uma arma perigosa para manipulação política e quebra de privacidade da população.

Trocando as lentes para “re-ver” a realidade

O Centro Sabiá2 é parte integrante de diversas redes territoriais, no Nordeste, no Brasil e a nível regional e internacional e sempre teve a comunicação como estratégica para o desenvolvimento das ações institucionais e tem como um dos eixos políticos de atuação para garantir a democratização e a justiça social, em especial das comunidades rurais. A comunicação do Centro Sabiá se caracteriza pelo seu papel pedagógico e educativo para a formação de grupos e interação junto a redes e articulações. Consideramos que a comunicação deve ser um instrumento para mobilizar a sociedade em torno de questões do seu interesse e acreditamos que essas reflexões devem ser impulsionadoras de ações práticas para a implementação de políticas sociais voltadas para a população mais carentes, promovendo justiça social.

A afirmação do enfoque agroecológico, princípio fundamental nas dinâmicas institucionais, baseado não apenas na dimensão ecológica, mas também na socioeconômica e também política, brinda as possibilidade da construção de novos olhares sobre a mesma realidade e construir narrativas contra hegemônicas que fortalecem estes sujeitos locais dando visibilidade a seu trabalho que antes estavam na invisibilidade, tecendo novas linhas de uma tecido social que precisa se deslocar da periferia para o centro.

Na prática o trabalho do Centro Sabiá é reconstruir através do resgate das identidades desta população, seus costumes e tradições, suas formas de fazer agricultura, suas sementes, seus cultivos, sua forma de criar certos de tipo de animais, tudo isto que eles e elas escutaram por anos através da rádio e da televisão que era atrasado e precisa ser trocado pelo novo e moderno. Agora tudo isto ganha valor, é estudado, sistematizado, fotografado, documentado, se transforma em boletins, novos programas de rádio, teses, livros, publicações, documentários, filmes, entre outros materiais. Desta forma vamos reescrevendo esta nova narrativa do semiárido brasileiro sendo contado por seu próprio povo.

É com esta inspiração que produzimos os jornais impressos, programas de rádio, radio novelas, podcasts, agendas, calendários, exposições fotográficas. Além de conteúdos audiovisuais e textos para nossas redes sociais e site. Com base nesses princípios políticos , procuramos desenvolver nossas estratégias de comunicação em parceria e articulados com espaços políticos que integramos, como organizações e movimentos sociais pares e articulações como a Articulação Semiárido Brasileiro - ASA3, e a Articulação Nacional de Agroecologia - ANA4, Rede ATER Nordeste de Agroecologia, Plataforma Semiáridos de América Latina5.

O Centro Sabiá, ao longo dos anos, vem construindo um diálogo e a defesa da comunicação como uma estratégia e como um direito de todos e todas. Entretanto, acreditamos ser necessário, também, ocupar outros espaços de mídia, tanto de massa quanto de veículos populares e comunitários, para fortalecer e difundir a narrativa agroecológica e de defesa de direitos do povo do campo e da cidade.

Carlos Magno, é Veterinário e atualmente é coordenador Técnico-Pedagógico do Centro Sabiá, filho de camponeses do semiárido, tem se dedicado a re-construir estas narrativas de sua região através de seu trabalho.



Rosa Sampaio, jornalista e militante do direito humano à comunicação, integra o Fórum Pernambucano de Comunicação, o FOPECOM e atualmente é parte da equipe do Centro Sabiá.



1 Ondas eletromagnéticas por onde obrigatoriamente circulam todos os sinais de rádio e TV e também tudo que é controlado sem a necessidade de fios.

2 Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá – www.centrosabia.org.br

3Articulação Semiárido Brasileiro - ASA www.asabrasil.org.br/

4Articulação Nacional de Agroecologia - ANA www.agroecologia.org.br/

5 Plataforma Semiáridos da América Latina www.semiaridos.org