Solidariedade Internacional e o Movimento de Atingidos/as por Barragens do Brasil: a História de uma Prática Social

A luta contra as barragens surge no Brasil como resposta ao padrão de violação de direitos dos planos de desenvolvimento impulsionados pelo governo militar na época da ditadura (1964 – 1985), que faziam parte das políticas compreendias dentro do chamado “milagre econômico”.
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Solidariedade Internacional e o Movimento de Atingidos/as por Barragens do Brasil: a História de uma Prática Social
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Foi nesse período que a indústria elétrica brasileira assentou suas bases, na qual se construíram cerca de 30 grandes usinas hidrelétricas, obras faraônicas, entre as quais: Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá, Itaipu, Passo Fundo, Sobradinho, Itá, Machadinho e Balbina. Todas elas, com consequências sociais e ambientais irreparáveis.

 

Assim, lutar contra as barragens naquela época ia muito além do que defender seu pedacinho de terra, representava com todas as consequências, uma forte oposição ao projeto político em questão. As Empresas Estatais criadas na época contavam, além do forte aparato militar do Estado, com assessorias especializadas na espionagem, repressão, prisões, seqüestros e assassinatos de trabalhadores, sindicalistas, lideranças e atingidos/as por barragens, brasileiros e de outros países, como no caso de Itaipu.

 

O movimento social em geral e o MAB se alimentavam da solidariedade internacional para legitimar politicamente a luta, encorajando os militantes, além do apoio material. A vinda de várias delegações de solidariedade de outros países (alemãs, austríacas, suecas, belgas, etc) que visitavam as comunidades atingidas por barragens eram força extra na resistência local, que repercutiam positivamente nos indivíduos e na coletividade da organização. O sentimento de justeza da luta empreendida pelo povo atingido influenciou setores do legislativo, executivo e judiciário. Para as pessoas atingidas por barragens, esse ambiente de luta foi extremamente rico, pois criou paradigmas dentro da indústria da eletricidade, como o reassentamento para todas/as atingidos/as, reconhecimento da força de trabalho feminina, negociação coletiva, etc, que duraram pelo menos 20 anos (até o início das privatizações).

 

As relações entre os atores eram essencialmente políticas, e a solidariedade internacional surge então como ponte entre movimentos organizados que se consolidam nos dois hemisférios do globo. No Norte, destaca-se o movimento cidadão internacionalista da década de 80, com reivindicações para que parte do PIB fosse investido na cooperação. Os esforços da OCDE de formalizar as relações de cooperação com os vários países destinatários da ajuda criou uma tendência a institucionalização destas expressões de solidariedade internacional.

 

Essa agenda da formalização da solidariedade internacional é muito influenciada pelo capital transnacional e presente nos dois hemisférios. Na verdade, essas empresas atuam no sentido de privatizar a solidariedade ou a cooperação internacional, dentro de conceitos como responsabilidade social ou empresarial. Essa construção “patronal” da solidariedade internacional exclui completamente organizações como o MAB, pois essas reúnem no centro de sua luta, força para justamente se opor aos mecanismos de exclusão empreendidos por essas empresas, já que tais mecanismos (violação de direitos sociais) são parte da origem dos super lucros que essas auferem no Sul. O que essas empresas querem na verdade é comprar com migalhas (comunicação social e responsabilidade social) a subordinação das comunidade atingidas e da sociedade local.

 

Com a crise de reprodução do capital evidenciada a partir de 2008, a necessidade pela maximização dos valores solidariedade internacional ganhou força. Vemos que esse sentimento é maior tanto no Sul como no Norte. Entendemos que é fundamental nesse momento multiplicar os valores da solidariedade internacional unindo as lutas sociais de vários territórios, buscando criar unidade entre os trabalhadores/as, atingidos/as de vários países.

 

Destacamos nesse campo dois grandes esforços. Um deles é a construção da Via Campesina internacional, no qual o MAB faz parte, iniciativa global, que reúne camponeses/as de todo o mundo na construção da soberania alimentar para toda a sociedade (campo e cidade). Um segundo esforço que julgamos importante e que o MAB tem se dedicado está na construção e fortalecimento de organizações de atingidos/as por barragens no território latino americano. Tal iniciativa parte da constatação de que as violações que cercam as comunidades atingidas, bem como os causadores de tais contradições, são em geral, os mesmos em todos os países da região, nada mais fundamental que empreender novos processos de lutas e ao mesmo tempo buscar unificá-los. O MAB tem apoiado diretamente a construção de organizações de atingidos/as por barragens no México, El Salvador, Guatemala, Panamá, Peru, Colômbia, Bolívia, Argentina, entre outros, através do envio e recebimento de delegações de lideranças, realização de encontros de lideranças e apoio a formação política.

 

Nota-se que em ambos exemplos, são valores da solidariedade internacional, como a identidade de classe, a fraternidade entre os povos, o espírito de sacrifício, o sentimento de justiça, que movem essas iniciativas. Esse exercício é em grande medida uma forma de buscar reproduzir aquilo que foi ensinado ao MAB no inicio de suas lutas, como apresentado anteriormente.

 

Para o MAB, não há dúvidas que é preciso construir alianças globais de classe, construir um novo internacionalismo, se queremos que os povos recuperem a sua soberania frente aos poderes econômicos e financeiros das empresas transnacionais. Acreditamos que nesse momento histórico, quando valores do capital estão sendo fortemente questionados, que a solidariedade internacional deve acreditar cada vez mais nas lutas populares, nas lutas de massas, aquelas capazes de transformar as estruturas injustas de toda sociedade.

 

Água e energia: com soberania, distribuição da riqueza e controle popular.

 

São Paulo, verão de 2015.

Esther Vital Garcia

Leonardo Bauer Maggi

Luiz Alencar Dallacosta

(Coordenação Nacional do MAB)