Desejamos um infeliz dia da mulher a você

Saber identificar as flutuações de preço, este seria o papel da mulher na economia, além, é claro, da responsabilidade única de criação dos filhos. Parece anos 30, mas esta foi a fala do presidente Michel Temer na comemoração do dia da mulher.
| by Stefani Rackes da Silva
Desejamos um infeliz dia da mulher a você
Foto de Janine de Morais, disponibilizado por Mídia Ninja (CC BY 2.0)

Antes mesmo deste discurso, o dia da mulher no Brasil não foi lembrado com a corriqueita resignação ou com um sorriso disfarçado às flores ou às “muitas felicidades pelo seu dia”. Mulheres lembraram da hipocrisia, ou como dizemos no Brasil, da “cara-de-pau” de muitos brasileiros que se veem no direito de serem proprietários de mulheres, de agredí-las, de colocá-las em seu devido lugar, que obviamente, não seria nas Universidades ou no mercado de trabalho, ou o pior de tudo: não seria no lugar onde elas bem quisessem ocupar. Mas, claro, estes mesmos homens nos saludam pelo nosso dia...

O Presidente Temer apenas confirmou esta visão de que “feliz dia das mulheres” somente é bem-vinda quando elas fazem tudo o que lhes convém.

Em Freiburg, na Praça da Prefeitura, inúmeros stands de organizações governamentais e não governamentais foram colocados à mostra. O dia estava chuvoso mas as mulheres estavam persistentes e envolvidas com suas ações. Assistência às mulheres que procuram o aborto (tema totalmente controverso no Brasil, e que não podemos falar abertamente), liberdade religiosa e atendimento às mulheres oriundas de outras nacionalidades são alguns dos exemplos de atuação. Muito debate a respeito dos benefícios sociais (são justos ou não?). Mas pensar que a Alemanha é um país exemplo de igualdade de gênero ainda é um grande mito. Universalmente a desproporcionalidade na educação dos filhos (ainda a maioria das alemãs são encarregadas disto), assédio sexual, violência doméstica ou piso salarial não equitativo são realidades muito comuns em quase toda a parte do globo. A diferença é que aqui, na Alemanha, a reprodução da fala de Temer seria motivo de grande deboche, até porque, não estamos mais nos anos 30, não é mesmo?

No Brasil, o dia da Mulher foi lembrado quase como um enterro com um grande movimento nas ruas. Um enterro das milhares de mulheres vítimas de violência ou de abortos clandestinos. Enterro dos direitos adquiridos ao longo dos anos. Digamos “quase” porque todo enterro tem o seu minuto de silêncio em respeito à memória e à reflexão, mas, diferentemente, as brasileiras não querem lutar contra a dor. Elas usam a dor do desrespeito como um motor para novas conquistas e lutas.

A imprensa brasileira falou em gafe cometida pelo Presidente brasileiro (até mesmo a imprensa internacional), mas isso nos faz refletir se seria mesmo gafe ou uma real e intencionada tentativa de mudar o discurso e calar as vozes de quem mudou o passado e de quem está construindo um novo futuro. Não foi gafe, foi intencional: desejamos um infeliz dia da mulher a você e, por favor, não ouse.