Fórum 1: Agroecologia no assentamento | Agroecologia em áreas de reforma agrária do MST/Norte de MG: potencialidades e desafios

No Brasil atual a reforma agrária não faz mais parte da agenda política nacional, menos ainda dos programas de governo. Da união entre o capital financeiro internacional e o latifúndio surgiu o agronegócio, impondo uma nova forma de produção agropecuária, baseada na produção extensiva de matéria prima que só se torna possível com mecanização e utilização de insumos químicos e transgenia na agricultura.
| von Tatiana Gomes, MST

Dentro desse modelo de produção agrícola que não se propõe à produção de alimentos para o povo, mas sim de “commodities” (produtos agrícolas cotados em bolsas de valores para os mercados internacionais) para a exportação, não há lugar para a agricultura camponesa. Isso fica claro tanto no discurso da mídia e do governo (“Agronegócio gera divisas, reforma agrária é investimento perdido!), quanto nas próprias políticas governamentais, onde os investimentos destinados à agricultura familiar são irrisórios frente  ao recurso a disposição para o agronegócio (R$ 130 bilhões para o agronegócio e R$ 15 bilhões para a agricultura familiar)

Essa nova situação torna cada vez mais difícil a organização de territórios de resistência camponesa, dos nossos assentamentos. De um lado temos que conviver com o descaso por parte do governo com a reforma agrária, por outro lado somos diariamente “bombardeado/as”  pelas próprias empresas transnacionais a procura de mão de obra barata (sem direitos trabalhistas garantidos) e terra barata (através do arrendamento) na sua expansão por mais territórios. Diante deste cenário a agroecologia praticada nos assentamentos e acampamentos aparece como importante alternativa ao senso comum do agronegócio, como proposta de vida e como bandeira dos povos a favor da produção de alimentos e da preservação da agrobiodiversidade. A agroecologia não abrange somente a produção sem insumos químicos ou transgênicos, mas como princípio que norteia a produção, abrange também a cooperação em suas várias formas e a soberania alimentar das  famílias. Entendemos que a agroecologia representa um instrumento de preservação do meio ambiente, condição sine qua non para a sobrevivência do campesinato e da humanidade em si, além de ser um instrumento de libertação da dependência do modelo de produção vigente, tornando-se assim uma ferramenta de resistência camponesa.

A Rede Bionatur de Agroecologia é um dos frutos do trabalho do setor de produção, cooperação e meio ambiente do MST. Partindo da experiência de famílias produtoras de sementes de hortaliças agroecológicas no Sul do Brasil, a Bionatur expandiu suas atividades para outras três regiões, dentre elas para o Norte de Minas, a partir de 2006. Os objetivos são: contribuir com a soberania alimentar das famílias, através da produção de sementes e de alimentos regionais saudáveis para o auto-consumo; contribuir com a geração de renda através da venda de hortaliças e sementes; fortalecer a cooperação entre as famílias e contribuir com a disseminação de técnicas de manejo agroecológicas, eliminando o uso de insumos químicos sintéticos e de transgênicos. No Norte de Minas existem quatro campos de sementes da Bionatur, totalizando 3,5 hectares.

Quais foram os nossos avanços e quais são os nossos desafios? Avançamos certamente em relação à segurança (e soberania) alimentar, pois em todas as áreas com hortas da Bionatur, a diversidade e qualidade da alimentação das famílias melhorou consideravelmente, chegando a ser citado que, quando a horta está produzindo, principalmente as pessoas idosas e as crianças adoecem menos. Ainda não se conseguiu produzir sementes em grande quantidade, porém este é um projeto a médio prazo. Para tal, é necessário trabalhar mais intensamente a importância estratégica da produção e manutenção das sementes junto às famílias camponesas. Queremos também primeiramente testar quais variedades plantadas no Norte de Minas são mais adequadas para a produção de sementes no nosso bioma, tão diferente das experiências no Sul do país.
Também conseguimos avançar parcialmente em relação à implementação de novas técnicas de manejo agroecológico. Porém percebemos que as oficinas e o planejamento realizados nos assentamentos não podem se restringir somente à produção de sementes de hortaliças, mas devem levar em consideração toda a produção nos assentamentos. Há necessidade de pensar a produção nos assentamentos como um todo, de forma integrada. Para podermos planejar a produção de sementes de hortaliças, por exemplo, é preciso planejar também a produção de leite, a criação de pequenos animais, a roça durante o período de chuva, etc. Por exemplo, o esterco oriundo do gado e dos porcos deve ser reaproveitado como adubo compostado ou em forma de biofertilizante para as hortaliças e roças (mandioca, milho, feijão, guandu, amendoim, etc.). Os subprodutos da horta e da roça devem ser aproveitados para a produção de ração animal. É preciso criar  “bancos de proteína” com plantas forrageiras fixadoras de nitrogênio para os tempos de seca, evitando a perda dos animais, a exemplo do que já é realizado no semi-árido nordestino.  Faz-se necessário aperfeiçoar a prática de consorciar as culturas de tal modo, que o solo, já historicamente degradado em áreas de reforma agrária, se recupere (para tal é importante o plantio de adubação verde).

Outro grande desafio é a morosidade do governo em relação à implementação de políticas públicas de reforma agrária. Todas as áreas onde se estão implementando campos de sementes são assentamentos no papel e nas estatísticas do governo. Porém a única diferença entre um acampamento e essas áreas é o documento de desapropriação emitido pelo governo. Esses assentamentos têm entre 3 e 7 anos de existência e até o dia de hoje não tiveram acesso a qualquer crédito previsto para as famílias beneficiadas pela reforma agrária. Nesta situação há grandes dificuldades em ter que garantir a produção agropecuária para a auto-sustentação e geração de renda em um lote sem qualquer infra-estrutura (casa, saneamento básico), com pouquíssimos insumos e ferramentas, sem maquinário adequado, sem acesso a crédito, só no “cabo da enxada”. Para tal, só existe uma solução: a pressão social através da luta. Somente através da  ocupação de novos territórios, fortalecendo assim a correlação de forças em prol das famílias trabalhadoras Sem Terra, de manifestações e de embates diretos com o governo e as transnacionais (representando o agronegócio) vamos reivindicando direitos garantidos na constituição brasileira. Exemplo prático de que só a pressão social tem garantido os direitos do povo foi a nossa jornada de luta em agosto desse ano, envolvendo 11 Estados. Após a ocupação do ministério da fazenda em Brasília e nos Estados, o governo reabriu as negociações com representantes do MST. No estado de Minas Gerais os resultados foram mais significativos: uma semana após o término das lutas (e após o fechamento de uma rodovia próximo a Jequitaí e a ocupação do IEF (Instituto Estadual de Florestas) em Montes Claros na “volta” de Brasília), funcionários do INCRA e do IEF começaram a percorrer os assentamentos no Norte de Minas, preparando a  documentações de liberação do primeiro crédito e de regulamentação da questão ambiental nos assentamentos.