Ser criança na amazonia e a missão na defesa de direitos

Para falar sobre direitos de crianças e juventude na Amazônia, é necessário compreender o que significa ser “amazônida”, ou seja, considerar a cultura, formas de convivência entre os “humanos” e o meio ambiente, as grandes distâncias territoriais existentes, a necessidade de produção de um conhecimento territorial próprio, assim como a necessidade de vencer com a ótica do coronelismo ainda muito presente na região.
| by Keila Souza Marães Giffoni1

Compreender o que significa ‘ser criança na Amazônia’, é considerar os conceitos de infância e realidades diferentes, no que tange as diferenças territoriais e culturais, tais como a existência da criança urbana, da criança pobre, da criança rural, da indígena criança, da quilombola criança, e da ribeirinha criança, diferenças essas que geram diversas violações de direitos, quando não são observadas na sua essência.

 

Sobre a realidade amazônica, esta comporta em meio a sua complexidade, uma problemática social vasta, onde a existência do tráfico de pessoas e exploração sexual, principalmente de crianças e jovens, é um triste exemplo da vulnerabilidade social gerada pela ineficiência das políticas públicas para infância na região. Destaca-se que a presença de grandes projetos desenvolvimentistas e a ausência do Estado, sobretudo nos municípios e regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos, tem potencializado a violação de direitos e afetado a vida das populações e comunidades amazônicas de forma devastadora.

 

Em relação política de atendimento de crianças e adolescente, é necessário compreendermos, conforme estabelece o ECA – Estatuto da Criança e do adolescente, que esta exige a intervenção de diversos órgãos e autoridades, que possuem atribuições específicas e diferenciadas a desempenhar, mas têm igual responsabilidade na identificação e construção de soluções dos problemas existentes, tanto no plano individual quanto coletivo do atendimento ao segmento infanto-juvenil.

 

Diante disso, acreditamos que enquanto sociedade civil organizada é fundamental a promoção e fortalecimento de iniciativas que busquem uma ação conjunta das diversas instituições que atuam na elaboração, gestão, execução e fiscalização das políticas públicas, no sentido de instituir uma nova cultura de garantias de direitos de crianças e jovens, partindo da realidade, dos problemas e das peculiaridades da região amazônica.

 

É preciso mobilizar a sociedade para que diante das situações de violação de direitos e da prática de crimes como a violência sexual, que em muitos casos existe um grande esforço que se mantenha invisível, seja a cada dia combatido, denunciado, apurado, punido. E que as crianças e jovens, principais vítimas desse tipo de crime, possam ter sua integridade garantida, bem como o direito de sonhar como um mundo melhor.

 

Neste sentido, desde 2011 a Cáritas Brasileira Regional Norte II (Pará e Amapá), vem desenvolvendo com diversas parcerias o ‘Projeto Ação e Proteção’, que tem como objetivo principal, contribuir no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes na Amazônia, estabelecendo um conjunto de ações articuladas, com a organização de informação, redes de prevenção e mobilização envolvendo atores sociais, governamentais e comunitários, no sentido de garantia dos direitos das crianças e adolescentes, acrescentando os aspectos da mobilização social como instrumento de pressão junto às estruturas de poder.

 

Atualmente o projeto vem sendo desenvolvido em três regiões do Estado do Pará, a saber: região da Ilha de Marajó, nos municípios de Melgaço e Curralinho, região do Baixo Amazonas, nos municípios de Santarém, Óbidos, Alenquer, Oriximiná, Juruti, e região Tocantina, no município de Abaetetuba. Do inicio, em 2011, até o momento atual, a ação do projeto evidenciou um conjunto de desafios, assim como de possibilidades de resistência e de luta no sentido de perceber a importância do papel da igreja na defesa dos direitos humanos, com destaque para as ações e articulações realizadas, na formação de agentes e lideranças comunitárias, a articulação em rede e a incidência junto aos órgãos governamentais, contribuindo para a consolidação de um conjunto de instrumentos capazes de ampliar a incidência política e afirmar uma metodologia capaz de construir uma ação de fortalecimento das redes de proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

 

A violência sexual que ocorre por meio da exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é sempre um assunto delicado, e muitas famílias não sabem lidar com a situação de forma a pensar no melhor para a vítima e seu atendimento, por isso o projeto em referencia tem como proposta e estratégia trabalhar ações de sensibilização sobre a prevenção e proteção dos direitos das crianças e adolescentes com as famílias, bem como o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens. Além de monitorar e buscar garantir o atendimento integral e intersetorial pelo Sistema de Garantias de Direito e Rede de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, assim como, a defesa e responsabilização em casos identificados e denunciados.

 

Identificar e dar o encaminhamento aos casos de violência é um dos principais desafios. Inclusive porque quem denuncia pode virar alvo de perseguição, considerando que em muitos dos municípios amazônicos, ainda se vive no ‘coronelismo’, onde manda quem tem o poder aquisitivo maior. Por isso a importância de estabelecer estratégias e ações de sensibilização e formação com as próprias crianças e adolescentes, familiares, conselheiros, agentes de pastorais, professores e a comunidade em geral para que estejam atentos às evidências que podem levar à constatação da negligência familiar.

 

De acordo com a publicação da pesquisa “Ser Criança na Amazônia” (UNICEF-2004), a exploração sexual de crianças e adolescentes é, muitas vezes, consequência da negligencia. A agressão física e o abuso sexual são os maiores delitos registrados contra a criança e a menina é a principal vítima do abuso sexual. Os resultados apontam que, as crianças abusadas, em sua maioria, encontram- se com idades entre 7 e 14 anos, justamente a etapa de desenvolvimento dos órgãos sexuais. A pesquisa revela ainda que, somados, os números da violência doméstica e da violência intra-familiar perfazem quase 40% do total de 11.883 casos. Isto releva, portanto, a urgência e importância de se trabalhar essa questão com as famílias e comunidade em geral.

 

Cremos que diante das contradições próprias de uma região complexa como a Amazônia, há que se optar por um caminho onde suas populações possam garantir os direitos básicos de cidadania e dignidade, com alternativas e condições lhes permitam fazer melhor o que já sabem e conhecem, além de trilhar novos caminhos que associem ecologia, justiça social e cidadania. Para tanto, é fundamental a articulação e parcerias com agentes e instituições que lutam e apoiam com seriedade e comprometimento para um mundo melhor, com mais justiça e dignidade para todas as pessoas.