O Golpe Midiático no Brasil, uma aberração da democracia

Ao sermos inquiridos os jornalistas do Brasil pelos colegas do exterior sobre qual foi, ou ainda é o papel da mídia tradicional brasileira no processo de ‘impeachment’ contra a Presidenta Dilma Rousseff, se formos independentes, não teremos pudor algum em dizer: legitimadores de um Golpe de Estado.
| by Raul Fitipaldi

Se aprofundássemos mais a afirmação, oportunidade que a limitação do espaço não permite neste artigo, agregaríamos: gestores em conluio com os poderes legislativo e judiciário. Estamos a falar, então, de uma imprensa oligopolista que preparou por mais de uma década suas redações no sentido de criar o clima necessário a destituir governos de cunho popular seguindo a receitas e padrões de uma nova forma de ataque à democracia dos países incluídos no eixo da UNASUL e da ALBA.

O processo mal chamado de ‘golpes suaves’, que se inicia com o derrocamento do Presidente democrático e constitucional de Honduras, José Manuel Zelaya Rosales, e que tem continuidade com o derrocamento do também Presidente democrático e constitucional do Paraguai, Fernando Lugo, faz parte de uma agenda da grande mídia a serviço dos interesses das transnacionais, as oligarquias locais, Washington e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que reúne o empresariado comunicacional oligopolista das elites pró-estadunidenses de toda a região. De modo que o que ocorre no Brasil pode acontecer e acontece de forma expressiva com a mídia em qualquer outro país da América do Sul e do Caribe. Por vezes, de forma mais truculenta e com aparência menos intencional, embora mais constante e diária, como é o caso do Grupo Clarín da Argentina, que por escassa margem conseguiu mudar os rumos da Argentina escolhendo o neoconservador Maurício Macri para desmontar todos os avanços nas áreas sociais e comunicacional oriundas dos mandatos de Néstor Kirchner e Cristina Fernández.

Na eleição presidencial brasileira de 1989, a vitória eleitoral do depois deposto, via impeachment (neste caso um impeachment com provas reais), presidente Fernando Collor de Mello (29 de dezembro de 1992), só foi possível por manobras comunicacionais, que anos depois foram denunciadas pela mídia independente e aceitas pelo próprio diretor de programação da Rede Globo à época, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, conhecido nacionalmente com o apelido de “Boni”  [1]. Boni explicou publicamente como foram cumpridas as ordens do seu patrão e chefe, à época, o magnata Roberto Marinho. Nesta oportunidade, o condutor da campanha do falso ‘impeachment’, pois a Presidenta não cometeu crime de natureza alguma, foi o atual diretor da emissora, Diretor Geral de Jornalismo e Esportes da TV Globo, Ali Kamel.

De 1992 até agora mudaram alguns nomes na Globo, rede que entra em 97% dos lares do Brasil e é uma das maiores do mundo em alcance e infra-estrutura, material e humana. Importantes jornalistas saíram da emissora e, neste processo político atual, têm atacado fortemente a atitude golpista do seus antigos empregadores, mas, a Globo em nada mudou. Alguns o fizeram em sítios e blogues que receberam pauta comercial do governo de Dilma. Mas, voltando à Rede Globo, pode-se afirmar que, do ponto de vista da sua interferência na democracia brasileira em favor dos interesses das elites, evoluiu e refinou sua forma consistente e despudorada de ocupar os espaços de TV e Rádio, que são concessões estatais. A concessão desta TV deveria ser renovada em 2018. O será com um governo golpista? Certamente e a cada período com mais benesses.

No entanto, a Rede Globo não está sozinha. A Revista Veja, propriedade da família Civita e carro chefe da Editora Abril tem sido sua fiel escudeira. Fundada e dirigida inicialmente pelo empresário norte-americano Vítor Civita, nascido em Nova Iorque em 1907 e falecido em São Paulo em 1990, de pensamento sionista, amassou suas primeiras fortunas reproduzindo a história em quadrinhos do Pato Donald, de Walt Disney, para o Sul do Continente. Na Argentina, seu irmão Cesar Civita, fez o mesmo na Editorial Abril de lá.  Do ponto de vista da truculência a Veja faz gala de recursos que nem a Globo ousaria usar. Nos elementos de misoginia incontestáveis do processo de golpe jurídico, parlamentar e midiático, são a revista da família Civita [2] com a outra revista conservadora, Isto É [3], de grande tiragem nacional, as que fazem o trabalho sujo nas capas que aparecem em milhares e milhares de bancas de revistas das grandes capitais do Brasil.

Como o jornalismo é uma construção política e assim foi concebido desde a colônia no Brasil, independentemente da ideologia que sustente, explícita ou implicitamente, não é e não poderia ser imparcial. Isso não se pode cobrar dele. Essa tolice deve ser desterrada. O que deve ser cobrado é o nível de mentira, distorção e omissão jornalística proposital. O espectro de medida da influência e do poder da grande mídia golpista se mede na capacidade de penetração, mais ainda à luz das novas tecnologias que, ao fim, também são parte do sistema, embora, parte da oposição ao mesmo as use como ferramentas de contestação. Por aí também deve ser medida a realidade informativa ou desinformativa do golpe impetrado a Dilma Rousseff. Toda a carga de preconceitos morais que obstruem o desenvolvimento civilizatório de um país foram postos a funcionar pela mídia oligárquica do Brasil. E muitos erros históricos, panfletários e sem rigor também estafaram a naturalmente minguada força da Mídia Independente.

A assimetria entre os poderes financeiros e estruturais da ‘grande mídia’ e a mídia independente cresceu inclusive dentro dos governos, mais ou menos progressistas do PT. O medo aterrorizante que têm os dirigentes progressistas dessa mídia, o desejo de formar parte das capas dos noticiários foi o canto de sereia do qual, nem Lula da Silva nem Dilma Rousseff conseguiram fugir. No caso da Presidenta, antes de iniciar seu primeiro mandato foi recebida num sarau oferecido pela falecida esposa do magnata dono da Rede Globo, Roberto Marinho, dona Lily [4]. Foi na boca do lobo, e 6 anos depois, o lobo comeu.

Está mais do que dito que hoje a agenda de Washington para desestabilizar governos adversos ou não totalmente alinhados não exige de balas, canhões, exércitos nem salas de tortura. São microfones, câmeras e jornalistas de medíocre contextura moral que fazem o trabalho. O resto é show e divertimento. Porém há regras que não só a gigante Globo e as revistas truculentas cumprem. Todo o espectro de rádio e tevê cumpre à perfeição e com rigor seu papel. As outras grandes redes nacionais, num país de mais de 200 milhões de habitantes, onde apenas 7 famílias se dividem o latifúndio midiático: SBT, Record, Bandeirantes e os jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, por nomear os mais visíveis internacionalmente, atuam coesamente reciclando o resíduo editorial da Globo. Todo esse espectro foi fortemente alimentado pelo dinheiro do contribuinte e das empresas nacionais de grande porte e porte internacional, como Petrobrás, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento e Caixa Econômica Federal, que pagaram uma bilionária cifra à pauta comercial dos seus algozes.

Portanto, concluiremos que o Golpe de Estado, fantasiado de impeachment no Brasil é um conjunto infeliz de erros de esquerda e acertos oportunos de direita, contra os interesses das classes mais frágeis do país. A derrota do jornalismo como profissão, a brutal assimetria entre a mídia das elites e o descaso dos governos do PT com a comunicação de massas, serviram de sustento aos desmandos judiciais e parlamentares que poderão concluir numa aberração política e democrática sem antecedentes na história do Brasil.

[1] https://youtu.be/guVZjYaiZfU

[2] http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/cultura/capa-bomba-da-veja-dilma-e-lula-sabiam-de-tudo/

[3] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/autora-de-capa-da-istoe-que-chama-dilma-de-maria-a-louca-e-a-mesma-que-reclamou-de-machismo/

[4] https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/eleicoes/dilma-tem-coragem-de-fazer-politica-diz-lily-marinho,26281a7142e2d310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

*Jornalista e co-fundador do Portal Desacato